domingo, 25 de fevereiro de 2018

A Mulher de Quinze Metros

Fotografia da Estação Ferroviária de Capistrano. Data desconhecida. Obtida através dos registros do IBGE.

O texto a seguir foi elaborado pelo professor José Humberto de Oliveira, popularmente conhecido como Betinho, presente em sua apostila sobre “Á maneira de Preâmbulo; Notas Eclesiásticas; Dados Paroquiais; Datas Capistranenses e Francisco Sales”


Antes, bem muito antes, de a energia de Paulo Afonso chegar a Capistrano, contavam os mais idosos que, raro, mas acontecia, via-se, tarde da noite, na linha com quem saia da atual Rua do Trilho - então, só mato - o vulto de uma mulher descomunal, caminhando rumo ao centro do vilarejo. Magérrima, olhos, quais duas brasas chamejantes, sumidos na cova das órbitas escuras, vestes imundas, esfarrapadas, cabelos desgrenhados e volvidos pra cima, a marmota caminhava sempre devagar. Não havia dúvida: era a famigerada Mulher de Quinze Metros, receada e acreditada pelos mais simplórios. 
Certa vez, um mendigo andejo, que chegada ao Riachão, fora de hora, não tendo onde se recolher, procurou asilo na calçada do estacionamento ferroviário.
O silencio e as sombras noturnas dominavam a localidade imersa nas profundezas do sono. De rumor, somente, a espaços, o gemer do vento da meia-noite, pelo comum, segundo criam os de antigamente, caroável a mistérios e assombrações. Pois bem, qual não foi o espanto do cansado esmoler, quando, ao se aproximar da estação, e olhando, casualmente, para o alto do prédio, viu enganchada, em uma de suas extremidades, a figura desconforme, cuja boca vermelha, no sorriso que lhe endereçava de viés, revelava, ao mesmo tempo, estupidez e desafio. Escasseou-lhe, então, firmeza nos pés e quase lhe pára, no peito, o velho e sofrido coração. Reunindo, porém as forças que ainda o seguravam, benzeu-se e, cheio de fé, inquiriu, três vezes, o mais alto que pôde, voz estrangulada, ante o horror do pesadelo real:
- "Quem pode mais do que Deus?!". - Mal concluíra a última indagação, a visão diabólica, lançando como se um regougar de raposa enlouquecida, esvaiu-se velando o teto ferroviário, como um nevoeiro denso e mal cheiroso que, aos poucos, se dissipou.
Alguns chefes de família, moradores perto da estação, ainda acordado àquela hora, pularam da rede, abriram a porta de suas residências e acudiram ao local, de onde lhes parecia terem vindo as angustiadas indagações já consagradas pelos antepassados, porque eficazes no suposto ou verdadeiro envolvimento solitário de qualquer mortal com alguma alma penada, ou coisa assombrosa, tida, geralmente, como do outro mundo.
Deram, então, com um estranho, de borco, na beira da linha. Levaram-no desacordado, para a morada mais próxima. Ao voltar a si, e depois de haver bebido uma garapa de açúcar bem forte, os olhos ainda espavoridos, o desconhecido afirmou pausadamente:
- "A coisa era tão medonha, tão medonha mesmo... e tinha as pernas tão grandes, tão grandes... que os pés, enormes batiam no chão.”. – Acomodou-se melhor na rede (Haviam-lhe armado uma), declarou: - “Nunca em minha vida, em paragem alguma, tinha visto arrumação mais horrível. Verdade verdadeira! – corroborou.
- “Credo em cruz! Só pode ser a Mulher de Quinze Metros!”. – afirmaram, a uma só voz, santiguando-se algumas mulheres.
- “É ela mesma. A maldita; a esconjurada, que alta noite – dizem – às vezes, aparece, “escranchada”, na estação. – confirmou o dono da casa.”
- “Era -frisou o mendigo. – Porque, d’agora em diante – garanto – a condenada, filha de Belzebu, não aparece mais.”
- “Deus seja louvado! Assim seja! – exclamaram os presentes, como se findassem uma oração”
                E, profeta ou não, depois que o pedinte andarilho, passando alguns dias, foi embora, nunca mais, no Riachão daquelas eras, ninguém viu, noite alta, andando na linha – ou amontada na estação – a temida Mulher de Quinze Metros


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